Na tapeçaria, os materiais, bolas de vidro, redes de pescadores, cordas, lã, desperdícios, estabelecem harmonias, jogos e confrontações, em dinâmica, mas segura, controlada e cuidada composição. As superfícies são privações contínuas, quer pela diversidade de pontos, ligações, roturas, quer ao nível da cor e da utilização dos materiais. As diferenças de valor e de escrita das texturas, a evidência do pormenor, as transparências das suas redes, a luz, as oposições cheio-vazio, opaco-transparente, são alguns pontos de investigação e exploração evidenciados. O vidro e a corda são elementos fortes e característicos da sua obra, afirmados nos últimos anos e muito ligados á sua personalidade.
o jogo destes elementos transporta-nos à tridimensionalidade e, portanto, a novas relações espaciais. A variante escultórica dá ao trabalho outras leituras, lançando com a envolvente um discurso interventor.
Na pintura sentem-se fortes afinidades com a Tapeçaria, até pelas referências dos pontos, linhas, colagens e bordados, que evidenciam uma experiência e uma poética intimista.
Os motivos etnográficos são uma referência e não um modelo absoluto e ganham, através da sensibilidade da artista e das novas relações e pontes que estabelecem entre si, outras leituras e evidências. As incorporações de símbolos, transparências e alguma figuração, não deixa de nos fazer lembrar Picábia. Esta aproximação é mais um sinal criativo, onde a memória aparece como referência de um passado perspectivado num modo, num sentido e num tempo contemporâneos. Nas obras de Rosa Godinho é sempre latente o seu percurso de criação artística, com cruzamentos que se adivinham recuperados da sua formação universalista e pluridisciplinar, quer referenciada às técnicas, quer às memórias e envolvência cultural.
Estamos, pois, perante uma exteriorização de registos íntimos, cujos valores estéticos e poéticos submetem-se à teia de relações culturais que Rosa Godinho estabelece num peregrinar pelo quotidiano. Percurso materializado, ponto a ponto, linha a linha, verso a verso, num esvoaçar de ideias que se entrecruzam e protagonizam em atitudes oníricas e que se diluem com uma cuidada investigação de suportes ou se combinam com puros valores pictóricos.
As atitudes oníricas são, também, o reflexo da pesquisa, resultado do percurso e recurso à recuperação de valores, sejam em ironia, sejam em afirmação.
José Manuel Bastos